quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Em defesa da Consciência Negra

E eis que vivemos mais um dia 20 de novembro. Há trezentos e dezoito anos atrás, seres humanos que foram brutalmente escravizados, torturados e tratados como mercadorias, resistiram até a última gota de sangue sob a liderança de um homem que, como qualquer outro ser humano capaz de identificar a liberdade como uma questão da qual não se abre mão, preferiu morrer para não desperdiçar a vida em uma senzala.

Pois bem, trezentos e dezoito anos se passaram e vivemos em um país confuso e atordoado pelas idéias difundidas pela classe dominante. Claro, porque é uma velha tática, dividir para melhor dominar. E o racismo sempre fez parte disso.

E aí que é impossível não dizer nada diante dessa confusão de idéias que as pessoas vivem. E confesso que também tenho estado bastante estarrecida diante de frases veiculadas em redes sociais com os dizeres “no dia em que houver a consciência humana não precisaremos mais das outras...” ou coisa parecida, na verdade não importa. O que importa mesmo é a idéia principal.

Consciência humana? Ah, claro, em uma sociedade de classes! Seria engraçado se não fosse trágico. Agora, vamos parar de brincar com coisa série e buscar dados científicos? Vamos começar a entender por quê praticamente não existem negros nas universidades brasileiras? Por quê praticamente inexistem no Brasil médicos e juízes negros, sendo que a maioria da população por aqui é negra?

Se você começar a argumentar que “os negros tem racismo contra eles mesmos”, que “os negros se vitimizam” ou “eu me esforcei para ter minhas coisas, os negros tem que se esforçar também”, fica a dica: assuma de uma vez seu racismo, ou comece a entender um pouco mais sobre o funcionamento da nossa sociedade. E não importa a cor da sua pele, porque muitos oprimidos às vezes reproduzem a ideologia daqueles que o oprimem, isso pode sim acontecer.   “O racismo é uma ideologia. A ideologia só pode ser reproduzida se as próprias vítimas aceitam, a introjetam, naturalizam essa ideologia.”, disse recentemente o antropólogo Kabengele Munanga em entrevista à Revista Fórum. Ele mesmo, com uma experiência pessoal muito interessante, pois veio da África diretamente para estudar e trabalhar na USP. E isso não o impediu de sentir na pele o racismo brasileiro, que ele define como um crime perfeito, pois no Brasil, diferentemente da realidade dos EUA, “a população negra e indígena viveu muito tempo sem leis nem para discriminar nem para proteger”, e isso apenas aumenta a convicção de muitos nos mitos da democracia racial e da igualdade de direitos, ficando muito mais difícil a identificação do opressor.

Kabengele ainda argumenta que, ao contrário do que acontece nos EUA, o brasileiro foi educado para não assumir seu racismo: “se fosse um americano, ele vai dizer: “Não vou alugar minha casa para um negro”. No Brasil, vai dizer: “olha, amigo, você chegou tarde, acabei de alugar”. Porque a educação que o americano recebeu é pra assumir suas práticas racistas, pra ser uma coisa explícita.”

E voltando a Zumbi e aos Palmares e aos quilombolas... quanta história tem o Brasil! Para ser desacreditado em tantas frases vulgares... como um povo sem ação, sem noção, sem valores...como historiadora, confesso que não consigo esconder minha predileção pela história do Brasil, sua luta e sua resistência. E para fechar o texto, recorro novamente aos argumentos do doutor Kabengele Munanga, nos advertindo que “(...) houve a resistência, o negro não era um João-Bobo que simplesmente aceitou, senão a gente não teria rebeliões das senzalas, o Quilombo dos Palmares, que durou quase um século. São provas de resistência e de defesa da dignidade humana. São essas coisas que devem ser ensinadas. Isso faz parte do patrimônio histórico de todos os brasileiros. O branco e o negro têm que conhecer essa história porque é aí que vão poder respeitar os outros.” 

Espero ter provocado, pois era este meu objetivo. Provocar reflexão, debate, argumentação, a percepção do entorno. Apenas em uma sociedade sem classes sociais estaremos livres do racismo. E estamos bem longe disso... Portanto...


Zumbi dos Palmares... Presente!
Todos os quilombolas... Presente!


Não sei de quem é a charge junto à postagem, mas juro que não encontrei nada mais esclarecedor...


segunda-feira, 17 de junho de 2013

Aprendendo a lutar ou "Vem pra rua vem...contra o aumento!"

Dedicado aos jovens de qualquer idade

Em meio a tantas ideias, formas de manifestação e novidades para muitos, escrevo na tentativa de organizar algumas frases, mesmo sabendo que corro o risco de ser bem primária nessa organização. Após assistir a deflagração de quatro atos em favor da redução da passagem de ônibus em São Paulo, não pude deixar de ir ao quinto (sem duplos sentidos).

Primeiramente, temos na rua toda uma geração que não tem experiência de luta. Está sendo apresentada e se apresentando agora. Resultado não apenas da pouca idade da maioria dos manifestantes, como também da conjuntura que vive o país. Essa geração vive uma situação que “trava” muito das lutas ditas “tradicionais”, uma vez que estão saindo do Ensino Médio e até das universidades, para um mercado de trabalho que mesmo quando formal, está cada dia mais precarizado. “Ter direitos” parece uma expressão cada vez mais alienígena, pois a maioria nem chega a experimentar dos “antigos” direitos trabalhistas. A última vez que o povo foi dessa forma para as ruas ficou lá atrás, em 1992, com o “Fora Collor”. Ou seja, os jovens que agora estão nessas manifestações não lutaram antes não porque não quiseram, mas porque a oportunidade histórica ainda não havia se apresentado. E quando a mesma apareceu, essa juventude não se furtou em agarra – la com todas as forças.

Em segundo lugar e não menos importante, é que ainda vivemos sequelas dos “anos de chumbo”. A Ditadura Militar deixou marcas tão sérias que hoje vemos jovens gritando contra a presença de partidos políticos nas manifestações. Ou seja, além de convencer a muitos de que lutar não resolve nada e ainda é muito perigoso, incutiram também a ideia de que partido político é algo nefasto. E aí a confusão vai longe, pois todos os presentes em uma manifestação de rua já tomaram partido. Por outro lado, a atuação dos partidos políticos burgueses após o fim da ditadura tornou o cenário cada dia mais despolitizado. Na verdade, o povo desconfia dos partidos porque sabe que o sistema não funciona a seu favor, mas não sabe como canalizar isso e distorce o significado de partido.

Após séculos de deturpação da história brasileira, e a condução sistemática do ensino de história nas escolas do país ao longo do século XX, também carregamos outros problemas nas costas. O mito do brasileiro quieto, sem grandes lutas, sem grandes revoltas. O mito do brasileiro “acordando agora”. Basta ler só um pouquinho de um livro didático de História atual para verificar grandes lutas do povo brasileiro. O Quilombo de Palmares, a Cabanagem, a greve de 1917, a resistência na Era Vargas, a resistência na Ditadura Militar. Quantas greves nos anos 80, 90 e no século XXI. Só para começar. Que povo corajoso, que nunca sucumbiu! Quantos heróis!

A partir dessas manifestações, uma geração experimenta a luta, descobre sua voz e a vontade de lutar. Os canais? Pequenos pontos, como a passagem de ônibus. Mal sabem que até revoluções já começaram com coisas assim. Mas ainda não sabem muito bem o que fazer com isso. Estão nas ruas. Levam cartazes, tiram fotos, convidam os amigos. As redes sociais tiveram papel preponderante nesse processo, sem dúvida. Vivemos uma nova forma de organização e denúncia em tempo real. Quem não se atualizar, vai ficar para trás. Mas como cobrar dessa geração uma experiência histórica que ela não teve? Tem agora, e agora vai aprender. O resultado? Imprevisível, como sempre. Pode ser que acabe apenas como mais um ato de rua. Pode ser que se transforme em algo muito maior. De qualquer maneira, a luta educa e ensina, através da experiência. Esses jovens nunca mais serão os mesmos, depois de experimentarem o gostinho da luta, da rebeldia, da insubmissão.

Da minha parte, entrei em mais uma luta depois de vinte anos sem parar. Quem já viveu organizado em movimentos, partidos políticos e sindicatos, sabe que essas manifestações são importantíssimas, mas é preciso ter muita paciência. O que meus olhos viram hoje nas ruas da minha cidade natal foi muito bonito. A maioria era jovem, mas encontrei muitos da minha idade e até mais velhos. Também encontrei velhos conhecidos, e conversei com gente que nem conheço. Andei aproximadamente 15 quilômetros em um ambiente extremamente agradável. Casais de namorados, grupos de amigos, gente segurando cartolinas. Gritei palavras de ordem até bem humoradas, situação à qual não estou muito acostumada, por ouvir coisas bem mais duras na vida sindical.

E algumas coisas chamaram bastante a minha atenção. Qualquer tentativa, por mais tímida, de atos de depredação ou violência, foi prontamente corrigida pela multidão. Uma tentativa de pichação, e uma bombinha dessas que explodem aos montes em escolas, foram repelidas imediatamente com “Violência não!”. Fiquei surpresa com a rapidez e determinação dessa reação. Por outro lado, também pude conferir uma população simpática a tudo isso. Salvo por raríssimas exceções, os motoristas presos no trânsito nos fotografavam e filmavam como se fossemos celebridades. Alguns riam, outros buzinavam em ritmo a pedidos. E muitos desses motoristas ganharam flores de presente. Até motoristas de ônibus e seus passageiros queriam registrar o momento. E ia quase me esquecendo das pessoas que penduraram e acenaram panos brancos na janela, também em apoio à multidão.

É claro, sempre vamos ouvir a reação chamando de vandalismo, baderna, arruaça, sem sentido, modinha. Mas para quem tem “20 anos de praia”, “nada de novo no front”. Isso faz parte do processo. Eu não seria louca de virar as costas para essa movimentação, sabendo de sua importância a médio e longo prazo. Na Rússia, em 1905, uma manifestação pacífica duramente reprimida caminhou até uma revolução anos depois, em 1917. Nunca podemos desprezar o aprendizado popular.

Poder viver para ver é muito bom. Poder participar, melhor ainda. 
Vem, vem, vem pra rua vem...contra o aumento!



sábado, 30 de março de 2013


Quarenta e nove anos depois: sequelas do Golpe Cívico Militar e perspectivas da resistência



“São cruzes sem nomes, sem corpos, sem datas 

Memória de um tempo onde lutar por seu direito

 É um defeito que mata”

Gonzaguinha


Quase meio século depois do fatídico 31 de março de 1964 (ou na verdade, 1º de abril), vivemos estranhamente um sumiço das suas lembranças, uma impunidade ímpar na América Latina e grandiosas sequelas de conformismo.
Quarenta e nove anos depois, a memória da ditadura permanece viva por pura insistência de parte da esquerda brasileira, que, ao contrário da política do governo federal, do “não revanchismo”, luta para que assassinos e torturadores sejam julgados como tais, levando a cabo o exemplo de outros países latino americanos que estão à frente do Brasil no quesito “julgamentos pós ditadura”. Argentina, Chile e Uruguai avançaram no sentido de cumprir a normativa internacional que considera os crimes contra a humanidade cometidos por autoridades estatais não passíveis de anistia por leis nacionais.
No mais, o espólio dos vinte anos de ditadura continua latente. A “educação” governamental da cultura desenvolvida durante esse período permanece. Uma cultura do “detestar política”, ter horror a partidos e temer lutar pelos próprios direitos, continua sendo parte dessa herança, viva e latente.
No momento, estamos próximos de mais uma tentativa de reforma previdenciária que pode exigir dos trabalhadores homens 105 anos, e das mulheres 95 – entre contribuição e tempo de serviço. Pior, um extermínio de direitos tão bem orquestrado, que 76% do povo brasileiro aprova o governo que pretende levar o direito à aposentadoria às raias do inatingível – ou, pelo menos, daquilo que não será usufruído por muito tempo. Caso isso seja aplicado, quando é que os jovens que começarem a trabalhar daqui a alguns anos vão se aposentar?
Conjugada a essa reforma, o ACE (Acordo Coletivo Especial), incentivado pelas centrais sindicais que há tempos já entregaram os trabalhadores à mercê da exploração, visa facilitar ainda mais o avanço de um tipo de governo que discursa defendendo o povo, mas retira cada dia mais os direitos desse mesmo povo. Passo que cumpre na sistemática do desmonte dos direitos trabalhistas, beneficiando amplamente a burguesia, que nunca lucrou tanto como lucra hoje.
Por fim, não posso deixar de lembrar minha categoria profissional, do magistério, que tem sofrido tantos e tão duros ataques. Uma categoria que sempre trouxe, em seu fundamento, a luta contra a barbárie, o esclarecimento em lugar da ignorância. Muitos foram os professores – e também seus alunos – que tombaram lutando contra a ditadura. Seus nomes, seus rostos, seus corpos, alguns sabemos, outros desconhecemos.
Enquanto eu viver, não deixarei esse assunto de lado. A luta por justiça pelos mortos da ditadura, pela localização dos restos daqueles que até hoje permanecem desaparecidos. Que suas famílias tenham o direito à verdade. Mas que também os criminosos sejam punidos sim nos padrões acima citados. Não se trata de revanchismo, trata – se de investigar, julgar e condenar criminosos. Não pode ser saudável uma sociedade que tem seus torturadores livres e levando vidas absolutamente normais, enquanto suas vítimas padecem com marcas físicas e psicológicas, quando não constam da lista de desaparecidos.
Que a lembrança daqueles que morreram na esperança de um mundo melhor fortaleça nossa luta. Que as nossas angústias somadas sejam nada mais que nossas forças somadas. E viva a luta incessante dos professores que iluminam o saber.


 “Quem me dirá onde está 

Aquele moço fulano de tal

(Filho, marido, irmão, namorado que não voltou mais)

Gonzaguinha






sexta-feira, 8 de março de 2013


Na verdade, não é uma história bonitinha. É uma história de violência. Violência nas primeiras fábricas contra as primeiras operárias, violência de trancá - las na fábrica e tocar fogo, violência de não respeitar direitos fundamentais, violência de matar porque não aceitou o fim do relacionamento, violência de matar porque não queria pagar a pensão do filho. No momento, vivemos uma pandemia de feminicídio. Não dá pra esquecer disso!!! Atualmente, em alguns lugares como o Brasil, sete em cada dez mulheres correm o risco de serem estupradas ao longo de suas vidas. Ao mesmo tempo em que continuam cumprindo triplas jornadas e ganhando sim menores salários que os homens. Quero um feliz dia de luta, que não me falem que sou mais sensível, que sou mais fraca, que mereço mais atenção. Que me falem que sou parte da espécie humana, que grito por liberdade e que luto com todas as veias do meu corpo para que não calem minha voz. Viva o 8 de março!